III MAIA 2013

CINUSP | 25 Novembro a 01 Dezembro 2013

Centro Universitário Maria Antonia | 30 Novembro a 01 Dezembro 2013

A Mostra Audiovisual Internacional em Arqueologia, chegou à sua terceira edição em 2013. O evento, ainda novo na cena cultural paulistana, procura, a cada ano, abrir-se como uma nova tela no vasto universo de interesse da arqueologia, desde seu proceder como ciência às narrativas elaboradas sobre a humanidade e sua história. Este ano, em sessões especiais, duas produções abrem e concluem a III MAIA com uma viagem à Floresta Amazônica. De Werner Herzog, a mostra exibiu Aguirre, a Cólera dos Deuses, obra essencial do diretor alemão, inspirada no relato quinhentista do missionário dominicano Gaspar de Carvajal sobre uma expedição armada em que colonizadores espanhóis buscaram por El Dorado na Amazônia. O filme penetra e transita por dois universos paralelos: aquele em que a personagem é a Grande Selva, que oculta a mítica cidade do ouro; e aquele do poder, personificado em Lope de Aguirre, personagem histórico interpretado magistralmente por Klaus Kinski, visto enlouquecido pelo desejo de domínio, na alegoria da conquista imaginária. A Amazônia também se fez presente nesta mostra em Fordlândia, documentário dirigido por Marinho Andrade e Daniel Augusto que retoma a história das ruínas da cidade implantada por Henry Ford às margens do rio Tapajós, no Pará, projeto que visava suprir a indústria de pneus com fornecimento estável de matéria-prima. Dois filmes que retratam, em tempos e lugares distintos, porém sob a mesma vastidão da Amazônia, o próprio sonho de cidade — seja aquela imaginária, seja aquela real, então construída — em sessões especiais com narrativas sobre homens que se aventuraram movidos pelo poder. Certos vestígios arqueológicos do passado indígena da Amazônia, em contraste com a realidade dos povos remanescentes, testemunham o impacto destrutivo da conquista a partir da descoberta — segundo o olhar europeu — de um Novo Mundo que foi violentamente explorado. Artefatos milenares, redescobertos pela arqueologia, mostram indícios das grandes populações que a floresta abrigou e de suas culturas diversas, muitas delas desaparecidas desde então. Todavia, aqueles vestígios mais recentes, a exemplo das ruínas de Fordlândia, junto aos fatos contemporâneos, contam como a imensa floresta, passados os séculos, continua a ser devastada por novas e controversas frentes de exploração. Por essa via, a III MAIA provoca o debate em torno da apropriação e transformação de paisagens no curso do tempo, mas também sobre o direito à cidade e sua história.

Assim, os filmes da programação abrangem outros temas que transitam pelas realidades urbanas: o confronto entre as memórias de lugares que se quer conservar e os objetivos do mercado imobiliário que, para lucrar, suprime tais memórias então abrigadas em construções que virão abaixo, a exemplo do tecido residencial de cidades como São Paulo e Paris. Histórias de Morar e Demolições, documentário dirigido por André Costa, recorre ao dispositivo de uma produtora fictícia – com o sugestivo nome de Caracol Filmes – para divulgar via panfletos e faixas colocadas em certas áreas da cidade de São Paulo, aquelas com intensa atividade de incorporadores imobiliários, a seguinte propaganda: “leve a memória de sua casa com você; leve em vídeo!” No momento em que se prepara para mudar, pois a casa em que vivera desde a infância está para ser demolida, uma mulher encontra o panfleto e procura a produtora. Além desse relato, o documentário mostra outras três famílias que vivenciam a mesma realidade – a destruição iminente do lugar em que viveram por tanto tempo – e produzem registros de seus lares, inclusive dos objetos ainda ali presentes.

Em Paris, a pressão do mercado imobiliário – sob a chamada renovação urbana, linguagem publicitária que promove a modernização de velhos tecidos da cidade – atinge Belleville, bairro parisiense significativo pelo seu passado operário e, sobremodo, pela diversidade de pessoas que habitam esse lugar de morada de imigrantes. 10, Rue Lesage, Belleville é o endereço de um prédio centenário deste bairro, que será em breve demolido. A partir de relatos de seus moradores e do antropólogo Marco Antonio da Silva Mello, que interage com seus habitantes, o documentário produzido pelo Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro/IFCS-UFRJ), que tem por subtítulo Arqueologia Urbana de um Bairro Popular Parisiense, mostra o mesmo drama social, vivenciado por muitas comunidades das grandes cidades: nele, as pessoas também incorporam o vídeo como instrumento de registro de vivências durante a própria realização do documentário, um instrumento para se escavar memórias. O dispositivo dos autores, nesse caso, passa pela própria pesquisa de Marco Antonio, tomada como mote para se descobrir a essência do lugar, aproximando-se dos moradores de Belleville – que, por sua vez, veem aproximar-se a profunda transformação de seu bairro.

Voltando a São Paulo, cidade destino de tantos fluxos migratórios, a mostra abordou questões similares por meio do nosso documentário São Paulo Via Rio Novo. No contexto de uma trajetória de estudos dedicados a compreender e documentar técnicas vernáculas de construção da casa brasileira, eu e o documentarista Luiz Bargmann viajamos algumas vezes ao Maranhão, mais precisamente à região dos chamados Pequenos Lençóis Maranhenses, até conhecermos José e Rosilda, habitantes da pequena Rio Novo (atual Paulino Neves). Em 2007, o casal já se mudara para a nova casa construída pelo próprio José, com ajuda de amigos. As paredes são de adobe – o milenar tijolo – feito também por ele, retirando argila do próprio terreno, como documentamos em 2003. Ao visitá-los novamente, mostramos fotografias da antiga casa, toda em taipa de mão, coberta com as enormes folhas do buriti. As fotografias foram o dispositivo para ampliar a conversa quando perguntamos sobre São Paulo, morada atual de alguns de seus parentes e amigos. Eles imaginam a vida em uma das maiores metrópoles do mundo a partir das notícias que chegam pelas pessoas e, sobretudo, pela TV. Revela-se, então, o contraste entre imaginários sobre diferentes modos de vida: aquele que a grande cidade vê como arcaico e aquele que as comunidades que habitam o deserto consideram como violento. Duas paisagens, dois tempos distintos: a vida tranquila da morada simples e acolhedora de José e Rosilda; a vida agitada da grande cidade, cerceada por violências, como aquelas expressas tanto na morada de periferias faveladas quanto naquela vertical, valorizada, em condomínios vigiados.

Três documentários que reúnem memórias pessoais construídas em lugares destas três cidades — São Paulo, Paris e Rio Novo —, memórias que também participam daquelas coletivas, na vivência comum e compartilhada do imaginário que as grandes cidade evocam.

Em outra paisagem, agora no Uruguai, vimos no documentário Los Narradores del Caraguatá, dirigido por Gabriel Souza, a redescoberta de vestígios do passado indígena na região de Tacuarembó. Arqueólogos e antropólogos pesquisam antigos territórios e se aproximam dos habitantes desta região. De seus relatos, surgem opiniões críticas a partir da compreensão que elaboram sobre o lugar e confronta-se o discurso político incorporado como história oficial da jovem nação: ao renegar aquele passado, tal discurso promove, como retórica, a imagem de país civilizado que, ao valorizar os vínculos com a cultura urbana européia, quis apagar a memória da própria existência indígena no território uruguaio, a exemplo dos montículos (elevações artificiais) que remanescem na paisagem contemporânea — os cerritos de indios — vestígios de povos ancestrais que lá habitaram.

No seu conjunto, as sessões da III MAIA constituíram uma boa oportunidade para refletirmos sobre os rumos de paisagens diversas, com seus testemunhos nelas inscritos, no tempo em que vivenciamos tantas transformações — em grande parte motivadas pelo poder econômico — a suprimir ou esconder histórias de lugares.

Esta mostra nos lembrou de que a paisagem abriga muitas narrativas e histórias. Vimos algumas delas escritas nos artefatos audiovisuais selecionados nesta terceira edição, suportes de diversas memórias assim escavadas pelo olhar de cada autor e projetadas na tela.

Silvio Luiz Cordeiro
Diretor MAIA

 


Abertura

 

Aguirre, a Cólera dos Deuses (Aguirre, der Zorn Gottes)
Werner Herzog | Alemanha | 93′ | 1972
No século XVI, o conquistador espanhol Gonzalo Pizarro lidera uma expedição em busca do Eldorado, a mítica cidade do ouro. Entre os homens que restam da expedição está Lope de Aguirre, que enlouquece e sonha conquistar toda a América do Sul.

 


Filmes Convidados

 

Fordlândia
Marinho Andrade e Daniel Augusto | Brasil | 52′ | 2008
Em 1928, Henry Ford e Harvey Firestone decidem estabelecer na Amazônia, próximo ao rio Tapajós, um projeto envolvendo o plantio de seringueiras e, com isso, assegurar um grande estoque de borracha para a produção de pneus. Ali é construída uma pequena civilização americana: uma cidade chamada Fordlândia. Porém, menos de 20 anos depois de sua implantação, Ford abandona seu projeto. Hoje, o que restou de Fordlândia é a ruína do sonho de transposição da cultura e regime econômico norte-americanos para o norte do Brasil.

 

narradores

Narradores del Caraguatá
Gabriel de Souza | Uruguai | 55′ | 2010
Entre 2006 e 2009, um grupo de pesquisa formado por arqueólogos e antropólogos percorre pequenos povoados de Tacuarembó, no Uruguai, colhendo depoimentos sobre os vestígios de povos milenares que ali viveram. Nesse percurso, é possível observar o trabalho de campo que realizam os arqueólogos, assim como a recepção dessas pesquisas pelas comunidades rurais que ali moram.

 

sao_paulo_via_rio_novo

São Paulo Via Rio Novo
Luiz Bargmann e Silvio Luiz Cordeiro | Brasil | 10′ | 2008
Na pequena cidade de Rio Novo (atual Paulino Neves), junto às dunas dos Pequenos Lençóis Maranhenses, uma família constrói sua nova morada, enquanto amigos e parentes migram para São Paulo com a perspectiva de uma vida melhor.

 

10, Rue Lesage, Belleville
Marco Antonio da Silva Mello, Augustin Geoltrain, Felipe Berocan Veiga e Soraya Silveira Simões | Brasil – França | 77′ | 2010
O anúncio de projetos de renovação urbana para Belleville, bairro de Paris emblemático por seu passado operário e pelo acolhimento de imigrantes, transforma a vida dos que ali vivem. A partir da experiência dos moradores de um prédio centenário do bairro, um grupo de etnógrafos brasileiros participa diretamente do processo promovido pela administração municipal, incorporando o registro audiovisual como dispositivo de construção da memória e da mobilização.

 

historias

Histórias de Morar e Demolições
André Costa | Brasil | 56′ | 2007
Quatro famílias paulistanas estão de mudança. Suas casas foram vendidas para um incorporador imobiliário e serão demolidas. Para fixar as histórias guardadas sob esses tetos, os moradores resolvem registrar os objetos, cômodos e recantos preferidos, iniciando videografias domésticas ou contratando uma pequena empresa de vídeo para esse serviço.

 


III MAIA 2013

 

Direção, Produção e Curadoria
Silvio Luiz Cordeiro

 

Assistentes de Produção
Annick Arnoult
Camila Diogo de Souza
Patrícia Boreggio do Valle Pontin