II MAIA 2012

CINUSP | 26 a 30 Novembro 2012

A Mostra Audiovisual Internacional em Arqueologia voltou em 2012 ao CINUSP, em sua segunda edição. O evento é ainda novo na agenda cultural de São Paulo, a grande cidade, metrópole autofágica, destruidora e renovadora de paisagens e memórias. Poucos vestígios remanescem dos primeiros habitantes desse lugar, vestígios suprimidos, dia-a-dia, por demandas condicionadas por valores que pouco respeitam essas frágeis presenças de tempos remotos. Ou mesmo, nem tão distantes assim, na medida em que partes da cidade que se via ontem, já não existe mais hoje: onde havia casas, há altos prédios. Sentimos então o peso dessa ausência na paisagem de nossas lembranças, a perda de lugares significativos, quando redescobrimos, tarde demais, a importância dos remanescentes de outros tempos para a própria identidade, história e memória social.

Em outros lugares, com uma tradição mais arraigada quanto ao patrimônio histórico, a presença de cidades anteriores sobrevivem na paisagem urbana contemporânea. Todavia, ainda assim, também enfrentam as forças da transformação, por fim, inevitáveis. Esta imagem volta com força ao vermos Roma de Fellini, filme que abriu a II MAIA. Como esquecer das cenas que resumem esta mensagem, quando o progredir das obras do metrô na Cidade Eterna revela e destrói a antiga presença humana, então sentida ali por uma equipe de filmagem diante do instante iminente da perda? Impossível: ela nos toca profundamente, sobremodo as pessoas que habitam os grandes centros urbanos.

No curso das transformações e seus impactos sobre o patrimônio cultural humano, tivemos a oportunidade de assistir a projeção de um vídeo especialmente editado por Brent Huffman, arqueólogo estadunidense, para ser exibido na II MAIA: a possibilidade de destruição total do que restou de uma próspera cidade de outrora, importante urbe na rota da seda, um grande sítio arqueológico do atual Afeganistão — a antiga Mes Aynak e seus Budas poderão, simplesmente, sumir do mapa, na abertura de uma mina por uma empresa chinesa lá instalada, com apoio do governo afegão.

No programa deste ano exibimos um documentário essencial, em tempos de Belo Monte… O Vale, vídeo de João Moreira Salles e Marcos Sá Corrêa, que desvela a história de uma paisagem devassada para a expansão dos cafezais, com suas cidades mortas. Projetamos também 500 Almas, um dos mais premiados documentários brasileiros, obra sensível de Joel Pizzini, filme que, em sua arqueologia audiovisual, restitui certos vínculos de memória — a exemplo dos artefatos e lugares — para a história do povo indígena Guató, que habita as terras baixas do Pantanal, um povo decretado como extinto nos anos de 1960. Exibimos A Poeira e o Vento, curta premiado de Marcos Pimentel, na poética das imagens, sons e silêncio, entre o mar de morros no interior de Minas Gerais, encontra-se uma pequena vila e seus habitantes, em seu tempo próprio, em seu lugar.

Do Brasil ao Mali, vimos Inagina: entre mestres ferreiros Dogon, do Mali, este vídeo do arqueólogo suíço Eric Huysecom junto ao cinegrafista Bernard Augustoni, é um documento audiovisual sobre o antigo saber, e seus ritos, de produzir objetos em ferro: o papel da memória para reviver antigas práticas. Da África à América do Sul, vimos 5 curtas selecionados do Projeto Atlas Vivo de Chile, gentilmente cedidos pela Fundación Imagen de Chile. Cinco breves vídeos que integram um mosaico audiovisual de experiências contemporâneas difundidas pela Internet em torno do patrimônio histórico e cultural do país, por exemplo, os geoglifos e vestígios arqueológicos preservados na paisagem desértica do norte chileno; as lembranças dos tempos da dura exploração econômica do salitre, rememorada num programa de rádio; as técnicas ancestrais de cultivo ainda em uso e os cuidados técnicos de um projeto de restauro. Tais vídeos animam o uso da rede para exercitar narrativas arqueológicas, dufundindo saberes muitas vezes desconhecidos do grande público.

De volta à Itália, abrimos a II MAIA com uma homenagem especial à Marcellino de Baggis, jovem diretor italiano falecido em 2011, autor de Herculaneum: Diários de Trevas e de Luz, sobre o trabalho do arqueólogo Amedeo Maiuri na cidade romana que, assim como Pompéia, sua vizinha, foi soterrada pelas cinzas do Vesúvio. Obra sensível de um artista que nos deixou cedo.

Além destas obras, todas convidadas, teremos duas sessões de exibição de obras inscritas em 2012, selecionadas por um júri especialmente constituído para a II MAIA.

Reafirmamos nesta segunda edição o objetivo da MAIA como nova tela, aberta à todos aqueles que, por suas obras audiovisuais, tratam de estudos da arqueologia, mas que também vão além, por compreenderem a arqueologia em seu potencial narrativo, como via para se chegar à compreensão de nossa condição humana, seja pelo seu poder conceitual como metáfora, a arqueologia tão bem-vinda para muitas áreas do saber e da arte. MAIA, a cada edição, procura se constituir então como um lugar de encontro entre ciência e arte, narrativas e representações que transitam pelo amplo universo da arqueologia, seja ela como conceito, seja ela como ciência humana, a redescobrir lugares e objetos, a desvelar parte de nossa longa trajetória no mundo, uma espécie que o transforma continuamente, desde tempos profundos, como nos revelam certos vestígios, ditos arqueológicos, vestígios que abrigam memórias ancestrais e nos contam como transformamos a Terra, um belo e pequeno planeta, no grande habitat humano, nossa morada no universo.

Silvio Luiz Cordeiro
Diretor MAIA

 


Abertura

 

Herculaneum – Diários de Trevas e Luz (Herculaneum – Diari del Buio e della Luce)
Marcellino de Baggis | Itália | 52′ | 2007
O filme aborda a história das escavações de Herculano, seguindo Amedeo Maiuri, o arqueólogo que em pouco mais de 30 anos trouxe à luz a antiga cidade romana, destruída junto com Pompéia pela erupção do Vesúvio em 79 d.C.

 


Filmes Convidados

 

500 Almas
Joel Pizzini Filho | Brasil | 109′ | 2005
Um filme sobre a presença e ausência de memória, construído a partir do universo mítico e existencial dos índios Guatós, decretados oficialmente extintos nos anos 1960.

 

Inagina (Inagina, The Last House of Iron)
Eric Huysecom e Bernard Augustoni | Mali | 52′ | 1997
O arqueólogo suíço Eric Huysecom e o cinegrafista Bernard Augustoni trabalham com 13 mestres ferreiros Dogon, para reconstruir um forno tradicional para a fundição de ferro, no Mali, África. Desde a década de 1960, não houve, até então, qualquer fundição tradicional de ferro, em parte devido à importação de ferramentas mais baratas. A construção dos fornos e o trabalho envolvido nessa produção está profundamente entrelaçada com o simbolismo ritual e com o gênero, pois só os homens podem realiza-la, ritualmente. O filme descreve em detalhe todos os aspectos deste evento, desde a própria seleção do local de reconstrução do forno – é o sítio do mais antigo forno remanescente na região, que esteve ativo até 1961.

 

Roma de Fellini (Roma)
Federico Fellini | Itália | 128′ | 1972
Um passeio pela capital italiana ao encontro da arquitetura, personalidade, moradores, hábitos, mistérios subterrâneos e vida noturna. Dentre os episódios da vida romana revelados por Fellini, há uma escavação para a construção de instalações do metrô que acaba revelando afrescos milenares nas paredes, escondidos pelo tempo. A rotina e a história de Roma vistas pelo olhar peculiar do famoso diretor Frederico Fellini, que mistura passagens autobiográficas com cenas do cotidiano da Cidade Eterna.

 

O Vale
João Moreira Salles e Marcos Sá Corrêa | Brasil | 56′ | 2000
Detendo-se em uma paisagem por onde todo ano transitam milhões de brasileiros, o Vale do Paraíba, um mar de morros onde crescem as indústrias e as cidades que ligam o Rio de Janeiro a São Paulo, este documentário mostra como o processo de ocupação da terra transformou essa região num campo de batalha: ali, o café venceu em poucas décadas uma floresta milenar. Através do depoimento de fazendeiros, lavradores e migrantes que trocam o campo pela cidade e a cidade pelo campo, o filme narra a história da terra devastada e de seus herdeiros.

 

A Poeira e o Vento
Marcos Pimentel | Brasil | 18′ | 2011
Interior do estado de Minas Gerais. Uma pequena vila no meio do nada. Isolamento. Montanhas. Silêncio. O homem. A paisagem. O tempo.

 


Projeto Atlas Vivo de Chile

 

Arqueologia de um Autoditada em Huatacondo (Arqueología Autodidacta en Huatacondo)
Fundación Imagen de Chile | Chile | 4′ | 2012
Mauricio Hidalgo, arqueólogo autodidata, investiga as origens de um povoado na região norte do Chile.

 

Arte Rupestre no Deserto (Arte Rupestre en el Desierto)
Fundación Imagen de Chile | Chile | 5′ | 2012
No Salar de Pintados, encontram-se os mais antigos geoglifos do Chile. Todavia, não há informação concreta sobre seu propósito. A explicação mais aceita é que serviam como guia às grandes caravanas que provinham do Altiplano e passavam pela Pampa del Tamarugal.

 

Cultivos nos Terraços de Caspana (Cultivos en las Terrazas de Caspana)
Fundación Imagen de Chile | Chile | 3′ | 2012
Cecila Colamar vive em Caspana, um povoado a mais de 3.200 metros de altitude situado a 100km ao norte de San Pedro de Atacama, nas vertentes de uma profunda quebrada. Lá, os habitantes cultivam suas roças da mesma forma como faziam os antigos povos pré-hispânicos, que habitavam esta mesma região.

 

Lembranças do Salitre (Recuerdos del Salitre)
Fundación Imagen de Chile | Chile | 3′ | 2012
Procurando valorizar o passado da Pampa Salitrera, María Moscoso Dávalos realiza, a cada domingo, uma viagem nostálgica em seu programa de rádio “Iquique, la Pampa y su Historia”. Em cada episódio, María busca recordar a época dourada dessa região, entre os anos de 1830 e 1930, quando o salitre era a principal fonte econômica do Chile e as oficinas salitreras estavam em seu pleno apogeu.

 

Restauração da Igreja San Pedro de Guañacagua (Restauración Iglesia San Pedro de Guañacagua)
Fundación Imagen de Chile | Chile | 3′ | 2012
No povoado de Guañacagua, norte do Chile, um grupo de arquitetos reconstrói uma igreja do século XVI, danificada pelo terremoto que afetou esta região em 2005. Este grupo teve a preocupação de utilizar as técnicas originais de construção, para não modificar o estilo arequipeño desta histórica estrutura arquitetônica.

 


Obras Selecionadas

 

Archeoboy
Alex Martire | Brasil | 5′ | 2012
Um encontro arqueológico entre Child e Childe.

 

Back In My Hometown
Ruth Tringham | EUA | 8′ | 2010
Esse curta foi criado a partir da remixagem de vídeos, fotografias e sons ambientes registrados entre 1997 e 2007 na escavação arqueológica da aldeia neolítica de Çatalhöyük, na Turquia. O curta foi remixado junto com a música de Chris Rosser e do trio Free Planet Radio, especialmente com a sua canção Archaeology e, no final, a canção Dhijaz, do álbum The Unraveling.

 

Da Forja à Cidade
Sérgio Pereira | Portugal | 4′ | 2012
Um momento marcante da História da humanidade foi o aparecimento da metalurgia. Quase como que por magia, a forja, o saber humano e o encantamento do fogo, transformavam o minério de pedra em variados objetos utilitários. O homem inovava ao tomar controle da maior tecnologia de então e iniciava uma nova era: A Idade dos Metais.

 

O Gesto e a Forma: Experimentação com Cerâmica Arqueológica
Marianne Sallum | Brasil | 4′ |  2011
O filme apresenta de forma breve o resultado de pesquisa de experimentação com cerâmica arqueológica, envolvendo a construção e decoração de potes cerâmicos pelos povos indígenas Tupi e Guarani do passado. Dessa forma, mostra algumas das etapas de remontagem da cadeia operatória, como: preparação da argila, técnica e instrumentos utilizados para decoração.

 

Making a Mint
Raymond Collet | França | 11′ | 2009
Todo verão, no centro especializado conhecido como La Plateforme des Arts du Feu (A Plataforma das Artes do Fogo), a pequena cidade de Melle, no departamento francês de Lex Deux-Sèvres, torna-se um palco para a experimentação da antiga metalurgia. Lá, uma equipe de pesquisa está tentando recriar todas as etapas envolvidas na cunhagem de moedas, tal como era feita na era Greco-Romana, usando como modelo a coruja de prata de Atenas, cunhada nos séculos V e IV a.C. Entretanto, o processo se revela problemático. Os obstáculos encontrados pela equipe reiteram a convicção da necessidade de se realizar mais experimentos para que os métodos de produção da antiga cunhagem possam ser plenamente compreendidos.

 

Na Quadrada das Águas Perdidas
Wagner Miranda e Marcos Carvalho | Brasil | 74′ | 2011
Olegário (Matheus Nachtergaele) é um habitante da Caatinga que pretende trocar dois bodes por mantimentos em um centro comercial distante de sua casa. No início da jornada, sua carroça quebra, obrigando-o a fazer outro caminho e começar uma longa aventura neste pitoresco e único bioma. No meio do caminho, ele atravessa São Gonçalo da Serra, um sítio arqueológico pouquíssimo explorado, revelando algumas pinturas rupestres, além desse grande patrimônio nacional que é a Caatinga. Um filme sem diálogos e com apenas um personagem, revelando uma Caatinga jamais mostrada e o verdadeiro modus vivendi do caatingueiro.

 

The Oasis of Glass
Raymond Collet | Egito | 22′ | 2009
Marie-Dominique Nenna é uma arqueóloga especialista na antiga produção de vidro. Neste curta-metragem, seguimos sua busca para localizar as primeiras oficinas de vidro do Egito, que produziram o vidro bruto necessário para satisfazer uma demanda crescente por artigos vítreos durante a Era Romana. Iniciando sua busca em arquivos e bibliotecas, ela então passa a explorar o interior de Alexandria e o oásis de Wadi Natroun. Lá, com apoio tanto de técnicas tradicionais de escavação como das técnicas atuais de prospecção geofísica, ela redescobre no sitio de Beni Salama as maiores fornalhas para produção de vidro da Antiguidade, em instalações que poderiam produzir, por exemplo, uma placa de vidro de 15 a 20 toneladas em uma simples queima.

 

Tempo Brasileiro – O Vale do Paraíba
Gabriel Meirelles Pinto | Brasil | 25′ | 2011
O Vale do Paraíba paulista é um dos lugares no Brasil por onde o tempo passou e deixou rastros inconfundíveis. Da devoção em Aparecida à maior zona produtora de café do mundo, passando por Dom Pedro I, os sinais de decadência são patentes. Porém, ainda pode-se experimentar em alguns lugares uma viagem no tempo que nos remete ao futuro. Especialistas, proprietários de bens históricos e representantes de órgãos públicos de preservação ajudam a enriquecer uma investigação que ainda está começando: como o brasileiro lida com a sua história e de que forma o patrimônio arqueológico nos ajuda a aperfeiçoar a idéia de nação. O tempo leva consigo as lembranças, e os habitantes deste reduto importantíssimo sofrem as conseqüências de um país fragmentado.

 

Territórios do Tempo
Sérgio Pereira | Portugal | 5′ | 2012
Desde os primórdios, a história de um lugar é a relação das suas pessoas com o meio que as envolve, através da exploração e aproveitamento dos seus recursos, transformando o território num objeto de desejo. É um novo modo de vida que resulta de milhares de anos de evolução e de uma relação íntima com a natureza.

 

The Town Below
Raymond Collet | Egito | 13′ | 2009
Conhecidas desde a Antiguidade, as cisternas de Alexandria atraíram a admiração de muitos viajantes. Diziam que havia centenas delas, uma verdadeira cidade subterrânea. Contudo, no início da década de 1990, somente um exemplar destas cisternas poderia ser visitado. O Centre d’Études Alexandrines empreendeu então a tarefa de redescobri-las, usando a documentação disponível no Museu Greco-Romano, as memórias de velhos alexandrinos e a própria pesquisa durante escavações de salvamento. Dezenas destes monumentos foram até agora inventariados e alguns deles estudados de perto. O próximo passo é sua restauração e apresentação ao publico. Este video oferece uma visita à mais bela das cisternas urbanas, acompanhada da historia de seu desenvolvimento.

 


Debatedores

 

Cibele Aldrovandi

Arqueóloga e historiadora da arte, especialista no sul da Ásia. Atualmente realiza pesquisa de Pós-Doutorado no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Área de Sânscrito, da FFLCH-USP. Ao longo dos últimos 12 anos, desenvolveu pesquisas em instituições estrangeiras como o Huntington Archive of Buddhist and Asian Arts (OSU-EUA), o Deccan College Post Graduate and Research Institute (Pune, Índia), o Archaeological Survey of India (Nova Delhi, Índia) e a École Française D’Extrême Orient (Paris, França). Ministra cursos sobre arte, arqueologia e história indiana em instituições nacionais.

 

Maria Isabel D’Agostino Fleming

Historiadora e arqueóloga, docente do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Foi membro estrangeiro da École Française de Rome de 1983 a 1985. Coordena o Laboratório de Arqueologia Romana Provincial (LARP) do MAE/USP. É editora responsável da Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia desde 1991. Como arqueóloga, desenvolve estudos com ênfase em Arqueologia Mediterrânica, atuando principalmente nos seguintes temas: arqueologia romana e proto-história da Península Itálica, tecnologia cerâmica, metalurgia do bronze, metalurgia e lamparinas greco-romanas. Coordena o Grupo de Pesquisa (CNPq) “Formas de contato e processos de transformação no Mediterrâneo Antigo: Roma e suas províncias”.

 


II MAIA 2012

 

Direção, Produção e Curadoria
Silvio Luiz Cordeiro

 

Produtora Assistente
Patrícia Boreggio do Valle Pontin

 

Júri
Alexandre Guida Navarro
Andrés Zarankin
Aracy Amaral
Fabíola Andréa Silva
Felipe Julián Goldfarb
Luiz Bargmann
Regina Silveira
Wagner Souza e Silva